Tinha prometido a mim próprio que voltaria. Tinha de voltar. Àquela cidade que quase me tinha derrotado no ano anterior. Sofrera mas tinha escrito na História da minha vida que naquele local me tornara Maratonista.
Sábado de manhã e despedia-me da família entre beijos de saudade e ternura. No vão da escada as saudades já apertavam, mas o pensamento estava no Porto, na linha de partida para a minha segunda Maratona. A história repetia-se, tal como hà um ano atrás, as mesmas despedidas, os mesmos dois autocarros carregados de sonhos, ambições, vontades, crenças e ilusões. Cabia a cada de um nós escrever a sua própria história, correr a sua própria corrida, percorrendo os caminhos e ruas da cidade do Porto em busca da tão ambicionada meta. Acabar a Maratona. Para alguns a ambicionada estreia, que tal como eu tinha sentido hà um ano atrás, preenchia-lhes a mente com ambições e receios. Para outros um simples regresso para voltar a testar o corpo e a mente na mítica distância da maratona, como guerreiros que voltam ao campo de batalha na esperança de se tornarem imortais, no tempo e na História.
Neste dia correr no Porto torna-se algo divinal. Ao tiro de partida, tudo se esquece, tudo se torna periférico. Apenas ficamos nós. O corpo e alma unem-se numa simbiose quase perfeita, distraída apenas pelos sons revoltos do atlântico ou pelo melodioso e sereno Douro. Por volta dos 10km´s, o primeiro choque. Mais de metade dos protagonistas desaparece, ficamos apenas nós: maratonistas e candidatos a tal. A Maratona começa aqui, neste ponto já não há retorno, temos de seguir. A foz acolhe-nos, abençoa-nos e deixa-nos prosseguir. O seu vento agora brando, apenas nos empurra suavemente como uma mão que embala o berço. Na ribeira o Douro canta e encanta os corajosos, os devotos na crença, os corredores e a sua corrida e guia-nos até à ponte D Luis. É aqui, que temos a certeza que fazemos parte da cidade, do rio, enquanto atravessamos aquele Douro envolvidos na magistral armadura de ferro e sentimos que Gaia nos acolhe nas suas velhas calçadas, de paralelipedos escuros e tortos a enquadrar as caves e os barcos rabelos. Até à afurada é um pulo, ou apenas meia dúzia de passadas corridas. O suor frio que me corre na testa acorda-me de um sonambulismo, de um sonho. 1h37m Abro talvez ligeiramente os olhos e sei que vou a meio, enquanto o Sol morno daquela fria manhã Portuense, não me deixa acordar definitivamente. Aquece-me o rosto e o outrora suor frio já não existe.
Os olhos novamente semicerrados, querem que volte a deixar-me ir. Anseio embalar novamente, no Douro, na calçada escura e voltar adormecer o corpo e mente na corrida. A armadura de ferro está ali repetidamente, respiro fundo e atravesso a ponte pela última vez , rio acima em direcção a um ponto até agora vazio e perdido num além que não vislumbro. O Freixo faz-me sombra, volto a sentir o frio, está na hora de voltar, não ao principio mas ao fim. Aos 30km´s estou sozinho, mas mesmo adormecido e envolto no embalo do Douro, descubro que as minhas passadas sabem o caminho. Respiro então calmamente, sei que vou chegar, sei que a barreira é mítica mas talvez imaginária, se aparecer enfrento-a como outrora fiz. O corpo ainda não chegou, mas a mente diz-me que sim, agora sei que vou chegar. Vislumbro-a momentaneamente e recordo outros tempos, noutra passagem e outras dores. Sinto que me tornei mais forte, e a prova disso é que aquele mar de gente me aplaude a mim e aos outros que ali chegaram. Sentem a dívida para connosco por corrermos na sua cidade, mas também nós os maratonistas estaremos sempre gratos por aqueles inesqueciveis momentos das nossas vidas.
3h14m44s (-26mins que em 2010!!!!), Obrigado Porto! Por me deixares adormecer a vaguear nas tuas ruas e ruelas, por me embalares na tua foz e por me deixares ouvir o teu melodioso Douro. Tal como no passado sei que um dia voltarei para te saudar, mas agora o coração apertado nas saudades e na ternura leva-me de novo a casa para junto dos meus que de olhos fechados, não sentem o meu beijo. O meu corpo agora dorido implora finalmente por clemência, deito-me suavemente e fecho também eu os olhos para reviver mais um dia na pele de um maratonista.
Perfeito, deixei-me embalar neste cântico que só a Maratona do Porto pode inspirar. Só foi pena teres parado quando ainda havia tanto para dizer. Foi uma viagem de sonho que fizeste ao Porto, chegaste a casa tal como partiste, de permeio o prémio merecido conquistado com esforço e sacrifício confirmando a tua condição de um excelente maratonista.
ResponderEliminarParabéns pelo feito e pela excelente marca alcançada.
Abraço.
Bela crónica, de uma grande corrida tua, numa Maratona fantástica, num cenário imbatível.
ResponderEliminarAbraço
César
Que lindo texto! Após a sua leitura fica a vontade de partilhar essas emoções numa proxima oportunidade. A forma em como transformas o sofrimento em emoção e o transportas nas palavras aqui deixadas tornou aquele momento unico na tua vida.
ResponderEliminarFabuloso!
José Santos
Companheiro
ResponderEliminarsimplesmente brilhante, quer a marca quer o texto, melhor era impossível, muitos parabéns.
Abraço,
António Almeida
Eh Filipe!!!!|!
ResponderEliminarNão tinha qualquer dúvida em relação ao teu talento para a escrita, mas olha que este texto está um ESPECTÀCULO! Fizeste uma excelente Maratona e relataste-a excelentemente. Deixa-me que te diga que este texto convence qualquer um a alinhar na próxima. Como dizia o poeta, "pelo sonho" é que vamos". E tu, de forma sublime, puseste o sonho no teu texto, associado a toda a carga emocional dos corredores e a toda aquela envolvência que o Rio nos proporciona. O Rio, a Cidade e a Gente.
Parabéns, Filipe e obrigado por partilhares connosco este grande momento.
Grande abraço.
Fantástica crónica, e grande tempo. Parabéns.
ResponderEliminarUm abraço.
Isso já é tempo de atleta a sério! Muitos parabéns!
ResponderEliminarsoparonalua@blogspot.com
Parabéns primo, magnifico texto que nos proporcionas e tal envolvência que estamos a correr novamente pelas ruas da invicta. retirar 26min e de grande atleta, Efectuaste uma brilhante Maratona e obrigado pela companhia.
ResponderEliminarAgora segue-se Lisboa, ira corre-te as mil maravilhas!
Abraço
Olá Filipe,
ResponderEliminarGostei de ler este belo texto, pela sua simplicidade, de igual forma que foi feita esta tua maratona do Porto, num excelente tempo.
Parabéns, e força.!!!
Um abraço
dos Xaviers
Bem escrito e bem corrido! Parabéns! Nota-se que tens uns bons colegas de treino...
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