8h da manhã de Domingo, o restaurante “ O Barbas”, servia de ponto de partida, não para uma corrida, mas para um treino que se avizinhava duro, muito duro.
O Sol ainda meio envergonhado pela hora da manhã, deixava o vento arrefecer o dia, criando por vezes um ar desagradável para uma manhã de domingo. Olhei em redor, estava na hora. Um beijo aos meus amores, mais um nó nos ténis, óculos na cara, chapéu na cabeça e mochila às costas. Lembrei-me que parecia mais turista que corredor, mas tudo era necessário, tudo fazia sentido, o objectivo esse estava a aproximadamente a 30 km de distância. O paredão da costa era a parte mais fácil, depois vieram as primeiras areias, ainda óptimas para correr. A maré nesta altura ainda dava tréguas acenando lenta e descontraidamente a sua presença, absorvendo subtilmente as pegadas deixadas para trás, e apagando o trilho que poderia servir de guia ao retorno. Era uma ida sem certeza de volta, uma “caminhada” contra o sol, a água e a areia, fugindo da sombra, mas sem ambições de enganar o objectivo. Os primeiros km´s voaram rápido, talvez rápido demais. Até à Fonte da Telha, o mar tinha sido benevolente, corria nessa altura sozinho, embrenhado em pensamentos fúteis e absurdos, acenando aqui e ali a desconhecidos companheiros, gente incógnita, sem nome, mas ao mesmo tempo amiga, furto de rápidos encontros e desencontros no mundo da corrida. Depois da Fonte da Telha, fui apanhado pelo TGV (Antunes, Batista e João Abrantes), malta de outros campeonatos, de outros andamentos, carinhosamente apelidados assim pelo amigo Luís Parro, dada a impressionante rapidez com que deslizam pelas areias da Praia. A companhia foi curta mas agradável, meia dúzia troca de palavras, e a certeza que aqueles homens, são malta dura de roer. Fiquei lentamente para trás, não porque o ritmo fosse rápido (que ideia!) mas sim para ter a certeza que faziam batota. Sim, porque os meus pés enterravam-se na areia e os deles a correr mesmo à minha frente nem lhe tocavam. Só pode ser batota, porque correr sem pôr os pés no chão, meus amigos, é batota, só pode (espero que a malta do TGV não me leve a mal porque são atletas verdadeiramente fantásticos)! Continuando. A maré começara agora a carregar, impedindo-me por vezes de correr. De um lado a areia solta do curto areal, do outro, o mar que deixara os suaves acenos dos primeiros km´s, para agora se revoltar contra a costa, empurrando, batendo, gritando, revolta pelo espaço que queria seu. O areal sem resposta, mantinha-se impávido, sereno mas intransigente no seu território. Nesta altura corria sozinho, nesse campo de batalha entre a terra e o mar. Os pés enterrando-se na areia, o sol a queimar a cara. Era como um perdido em terra de ninguém, observado pelas inúmeras gaivotas surpreendidas pela minha presença subtilmente acompanha por outras tantas pulgas da areia que faziam de batedores, saltando alegremente à frente das minhas passadas. Perto do km quinze eis que vejo finamente caras conhecidas, o Vitor Veloso e o António Almeida, vinham de regresso da Lagoa de Albufeira acompanhados pelo Rogério. Não pensei duas vezes, voltei imediatamente para trás, para na companhia destes dois grandes atletas e amigos, palmilhar as mesmas areias de volta à Fonte da Telha. A companhia destes companheiros ofuscou o cansaço e animou a corrida. As passadas ritmadas, os batimentos cardíacos, a respiração ofegante, o bater das ondas, as gaivotas e o mar, serviam de sinfonia à manhã de domingo. Chegava novamente à Fonte da Telha, um abraço aos amigos, um até já, e passava agora à estrada, faltavam 10 km´s para chegar a casa. Subia lenta e vagarosamente a interminável rampa de acesso à praia, quando as pernas começaram a vacilar. Mais um golo de água, um gel e uma barra, mas as pernas já não respondiam da mesma maneira. Passei a Aroeira, lentamente, arrastando o corpo dorido e uma sombra cansada . As pernas doíam e os pés gemiam, cada passada tornara-se numa angustiante dor, que me massacrava a mente e derrubava o corpo. Corri mais 4 km, ignorando umas vezes as dores, outras vezes superando-as. Mas ao chegar à Verdizela uma lacerante dor nos músculos lombares, derrubou-me. Não caí, mas gritei. Gritei interiormente, de dor, de revolta, mas também por ter a certeza que acabara ali, a 5 km´s de casa o treino duro, muito duro de Domingo.