Isto mal ou bem, acaba por não
ter segredos. A Maratona é isso mesmo, longa. Com uma preparação longa, com uma
longa espera após a inscrição e claro com muitas e longas histórias para
contar.
Admito! Já não estou a habituado
a isto de escrever no blogue. Ao fim de semana existia a jornada de domingo,
que começava com um treino ou uma prova e acabava com o escrever de mais
algumas palavras no corredor de domingo. Os tempos são outros, o tempo
tornou-se mais curto e nós menos afoitos naquelas coisas que provavelmente até
nos dão algum gozo pessoal.
4h49 da manhã, falta um minuto
para o despertar. Não dormi grande coisa, existe sempre algum nervoso miudinho
antes da maratona. Mas agora não há volta a dar, levanta-te e bora nessa. Ao
entrar na cozinha vislumbro toda aquela parafernália de roupa, gel, barras
energéticas e afins, organizadas numa perfeita desorganização equilibrada
apenas pelo dorsal 1395.
O plano de treinos tinha sofrido
um enorme revés, depois de 2semanas e meia parado por uma lesão num pé, tinha
voltado aos treinos apenas 3semanas antes da maratona. Pensando bem é melhor
ignorar essa parte e pensar que vai tudo correr bem, são só 42,195m. Já o fiz
algumas vezes. E o melhor é enganar-me um pouco do que ser totalmente enganado.
Tal como da última vez, que tinha
corrido a distância, mais ou menos há 5 anos quando “apadrinhei”, leia-se
enganei, o Pedro Laia. Ia acompanhar a estreia de mais um amigo das corridas. O
Luís Balinho depois de tantas horas de treino a ouvir-me falar da maratona,
como se eu fosse um enorme expert, acabou por sucumbir num momento de fraqueza
e inscreveu-se.
5H30, tal como um miúdo que vai
correr pela primeira vez, estou aos saltinhos no meio da rua para fugir há
cacimba fria e neste momento só não sinto mais o frio porque estou ainda preso
no calor do beijo de despedida da minha mulher e do puto mais pequeno. Aí estão
os Balinhos….Já um pouco apertados pelo tempo, o barco para a outra margem era
às 6h, a caminho de Cacilhas somos literalmente conduzidos em modo frenético
pela Inês. Não consigo explicar bem a coisa, porque foi tudo demasiado rápido,
mas ia jurar que algo ou alguém marcou todos os sinais como verdes até
chegarmos a Cacilhas.
Já no barco, começamos a
vislumbrar os primeiros pozinhos da maratona. Àquela hora era muito fácil
identificar os “loucos” equipados, ensonados mas ao mesmo tempo sorridentes a
caminho do desígnio. Chegados ao Cais do Sodré, o mar de gente dividia-se em
dois. Os empenados da noite e os equipados, que seriam um novo mar de empenados
algumas horas mais tarde.
No comboio das 6H15, era hora de
ponta a caminho de Cascais e da Maratona.
É nesta altura que pensamos na
dimensão disto tudo, quando vemos toda esta estirpe de malta oriunda de mil
cantos deste mundo. Não há ninguém de pé, são 40min de viagem até Cascais e
provavelmente os últimos em que vamos poder descansar as pernas até ao final da
corrida. Entre os bancos preenchidos e outros, que tal como eu e o Luis, se
sentam no chão do comboio, só se fala de corrida. Não interessa a língua, não
interessa se os percebo ou não, mas as palavras, as frases acabam sempre com um
sorriso por isso sabemos o que significa.
Afasto-me mentalmente um pouco e
vislumbro com alguma nostalgia, aquela mistura de alegria, e nervoso miudinho.
Percebo aqui e ali que existem algumas estreias, são aqueles mais nervosos,
irrequietos e talvez mais sorridentes. A viagem passa rápido, e aquela gente de
equipamentos coloridos invade agora as ruas ainda adormecidas de Cascais.
Também eu começo a ficar nervoso, não corro uma maratona à 5 anos e a última
não trás grandes recordações, pelo enorme empeno. Umas mensagens para a família,
umas fotos para a praxe, um abraço ao Luís Balinho e vamos a isto companheiro,
começa a aventura.
A partida é um mar de adrenalina,
que se vai dissipando à medida que os km´s se vão acumulando. O Luís vai
soltinho e confiante e quando damos conta o balão das 3h30 já ficou para trás.
Saímos de Cascais até ao Guinho, e nesta altura começamos a sentir o vento de
frente. Bom sinal! Quando dermos a volta no Guincho vimos de volta à boleia é
esse o pensamento e o tema de conversa nesta altura. Os primeiros 10k passam e
no meio da brincadeira, faço uma vídeo-chamada para casa. Estamos bem,
sorridentes e animados. Passamos Cascais com a magnifica vista para a Baía e somos banhados pelo enorme calor humano que
emana da efusiva assistência que entre acenos, palmas e gritos de apoio multilingues
vai acolhendo o pelotão.
Meia maratona e tudo são rosas. O
vento continuava a ajudar e apesar de continuarmos animados e ainda frescos as
conversas começam a diminuir, sinal de que a coisa começa a ficar a séria. Verdade
seja dita até aos 30k tudo tem de correr bem, pois normalmente é aí que começa
a travessia do cabo das tormentas. Chegados aos 30K e entramos em modo poucos
sorrisos e brincadeiras. Deu para apreciar a vista da marginal colorida pelas
camisolas de cores berrantes, o tejo, a margem certa, a ponte. Hoje roubámos o
protagonismo ao Tejo.
Perto dos 35K, o Luís faz-me
sinal. Não dá mais!
Já tinha reparado que o ritmo
estava a baixar, mas íamos correndo embalados pelo mar de gente e as
dificuldades pareciam que se iam diluindo nos km´s. Falámos um pouco e a
decisão era fácil, vamos juntos até ao fim. Nesta altura íamos alternando a
caminhada com corrida ligeira. Não eramos os únicos, mas a maratona por vezes é
assim. Ali bem perto do museu dos coches, vislumbro o Mário Lima. Era inevitável,
toca a parar tudo para trocar um enorme abraço. Aproveitando o correndo e
andando, fomos trocando histórias de outras maratonas e animando aqueles que estavam
menos bem.
38Km´s e já não falta tudo. Eu e
o Luís continuávamos aquilo que era nesta altura a nossa caminhada matinal. Nesta
altura o desafio era mental, estamos quase mais ainda falta o quase. Estamos
cansados, mas existem outros também cansados. Aproveito para tirar o telemóvel,
mais umas fotos, umas mensagens para casa e descubro que tenho a família no
terreiro do Paço. Bora lá, Luís! Tenho o meu pequeno Vicente à minha espera.
Creio que nesta altura o Luís já estava fartíssimo de me ouvir, com dores nas
pernas, cansado e quiçá arrependido daquela loucura. Eu pelo contrário sentia-me
eufórico e cheio de energia. Puxava pelo Luís, ajudava um inglês com cãibras,
saudava e puxava por aqueles que íamos passando. O Fim era já ali e tinha de
aproveitar cada momento.
A verdade é que não sei se foi de
estar cansado de me ouvir falar e puxar por ele, mas dos 38 até ao fim o Luís
nunca deixou de correr.
42Km e está quase feita. Agora
são 195m para gerir as emoções, procurar a família, cortar a meta e chorar que
nem uma criança. Vejo a minha filha Matilde saltar a correr do meio da multidão
e quase que choro de alegria. Vou voltar acabar a maratona de mãos dadas com
ela.
São momentos inesquecíveis e indescritíveis!
Terminámos! 3H50m e mais uns pozinhos.
Troco um enorme abraço com o Luís, estou imensamente feliz por ele. Treinou,
sofreu, sorriu e no fim chorou como qualquer maratonista que termina a sua
primeira maratona.
Deixem-se de tretas aqueles que
dizem que um homem não chora. Chora pois e de alegria sempre que acaba uma
maratona. E não dá para explicar, sente-se e não se descreve. Porque uma
maratona, vive-se do primeiro ao último km.
Recebo a medalha e só quero ver o
resto da família, beijar a minha mulher por acreditar em mim e nestas maluquices
da corrida. Abraçar o filhote Tiago e pegar ao colo o filhote Vicente. Está
feita a nona maratona e nunca acabei tão feliz.
Venha a próxima que já estava com saudades disto.