Voltei ao Porto para pela 3 vez correr a mítica
distância. Adoro correr nesta cidade, não porque sou portista ou portuense, mas
porque sempre que volto sinto o mesmo calor que senti ao correr ali a minha
primeira maratona. Tal como das 2 vezes anteriores, quando entrei naquela
passadeira vermelha e passei por baixo do pórtico final, senti que tinha virado
mais uma página na minha vida. A emoção de terminar uma maratona é o culminar
perfeito de muitas horas de sacrifício, na estrada longe da família, longe de
tudo aquilo que o comum dos mortais considera “normal”.Mas é ao terminar uma
maratona, com o sangue a fervilhar nas veias, com os músculos doridos, o corpo
totalmente absorto e o pensamento vão na família que ali não está, que sabemos
que valeu a pena. Se acabei a minha 3ºmaratona foi simplesmente porque quando
precisei, a família que sofreu com minha ausência me“empurrou” e comigo correu
aqueles dolorosos últimos km´s.
A corrida até começou bem, entre abraços de boa sorte
e boa estreia para o meu amigo Luis Carapeto, e mais umas quantas fotos com os
amigos da blogesfera a corrida parecia ser o culminar perfeito de alguns poucos
treinos. Cedo me juntei ao Paulo Pires e ao José Santos para o que pensava ser uma
maratona calminha e sem sobressaltos. O Paulo Pires, vinha com a corda toda de
Marrocos e liderava, enquanto eu e o Jorge lá íamos tentando acompanhar a
passada. O José tal como eu vinha com o objectivo das 3H30m e para isso ser
cumprido tínhamos de conseguir seguir o “líder”. Num percurso novo e na minha
opinião muito melhor, só o forte vento poderia ser um handicap para uma boa
prestação. A primeira parte da corrida, passou num ápice e mesmo com vento de
frente na maior parte do percurso passamos á meia maratona com 1H43m, o que por
si só adivinhava um desfecho feliz, pois o retorno seria com o vento a empurrar
para a meta. Sempre com uma animada conversa lá fomos seguindo calmamente até
perto do 27km. Nesta altura comecei a sentir umas ligeiras picadas no joelho
direito, mas como correr uma maratona é sentir dor, acabei por não ligar á
coisa. Ao 30Km, deixei ir embora o Paulo e o Jorge, as dores tinham-se agravado
substancialmente e a opção mais simples era abrandar. Ao 32km passa o balão das
3H30m por mim e já não fui capaz de reagir, foi quando percebi que já nada
havia a fazer. As dores que sentia nesta altura eram extremamente intensas e
cada passada era um suplício de dor. Aguentei até aos 33Km. Entrei no Túnel e
parei para andar um pouco. Pensei um pouco nas hipóteses que tinha, mas a
verdade é que a 11Km da meta, tudo é vago e longe. Corro 200metros e volto a
andar. Cada passada, cada alfinetada de dor que me torturava do joelho direito
até ao pé. Nesta altura abandonar era o mais fácil, talvez fácil demais. Olhei
muitas vezes no rosto daqueles que me passavam, mas também muitos levavam
expressões de sofrimento. No abastecimento dos 35km, depois de muitos “corre e
anda”, tomo a decisão mais acertada. Liguei para casa. Do outro lado ouvi
apenas e só as palavras que interiorizei até ao fim. “Nunca desististes porque
desistes agora? Só faltam 7.”. A voz percorreu a minha cabeça dura, mas ficou o
eco das palavras da minha mulher. Dali até ao fim teria de correr e coxear ao
mesmo tempo, nada difícil para quem já tinha corrido 35km, era um simples ”walk
in the Park”. Aos 37km, recebo nova chamada, desta vez do meu filhote, qualquer
coisa como “força pai, tu consegues”,ajudava a aumentar a vontade de
ultrapassar aquele tormento. A leitura era simples se aos 35km só faltam 7km,
se chegar ao Castelo do Queijo está feito, 2km a subir, a correr e a coxear não
custa nada. Devagarinho continuei a minha luta. Ao entrar nos 42km e no
magnífico tapete vermelho, senti que tudo tinha valido a pena. Cortei a meta
com3H55m, o meu pior resultado numa maratona, mas com a certeza que tinha
superado em muito os meus limites. Sentei-me num banco e liguei para casa
novamente, senti os olhos humedecerem, ao dizer calma e pausadamente
“cheguei!”.
Hoje, muito mais a frio e ainda com dores no joelho ao
andar sei que só cheguei porque a família a 300km de distância, correu a meu
lado aqueles inesquecíveis 7km. Ao meu amigo Luis Carapeto que se estreou no
Porto, os meus parabéns pelas suas longas 4H39m de sonho ao correr a sua
primeira maratona.
Kiss or kill. Beija ou morre. Beija a glória ou morre a lutar por ela. Perder é morrer, ganhar é viver. A
luta é o que distingue uma vitória, um vencedor. Quantas vezes choraste de
raiva e de dor? Quantas vezes perdeste a memória, a voz e os sentidos, por
cansaço? E quantas vezes, nesse estado, disseste para ti próprio com um grande
sorriso:“Mais uma volta! Um par de horas mais! Mais uma subida! A dor não
existe, só existe no teu cérebro. Controla-a, destrói-a, elimina-a e continua.