sexta-feira, 22 de abril de 2011

Estafeta Cascais-Oeiras-Lisboa

Domingo de manhã, pronto para mais uma corrida. Desta feita a mais antiga prova portuguesa, Estafeta Cascais-Oeiras-Lisboa. Os 2 Tandur destacados chegaram cedo ao Estoril, desta vez com o meu pai a servir de motorista e fotógrafo da malta, mas nem com esta ajuda a busca pelo café da manhã se tornou menos longa e infrutífera. Ao invés o aquecimento curto mas bastante proveitoso permitiu-nos encontrar algumas caras conhecidas para 2 dedos de conversa e rápidas saudações.

9H30, tiro de partida. Tudo começava à volta dos dados, da roleta, das slot´s e de outros tipos de sorte ou azar. Não jogámos, mas arriscámos. Ao contornar o magnifico Casino do Estoril, ditávamos a nossa sorte numa corrida de ritmo forte e compassado, eram 20km´s que nos separavam da chegada, de Belém e daqueles que nos aguardavam. O vento parecia dar luta, mais que o esperado, mas mesmo assim continuavam as quatro pegadas no alcatrão, os 2 mortais, os 2 corpos, numa só corrida, numa só equipa em busca do objectivo comum de cortar mais uma meta. A marginal o que nos dá, também nos tira, e em troca daquela miragem de mar imponente, e avassalador, retirava-nos suavemente a força e a vontade com aquele matreiro vento, malvado, batendo ligeiro, suave, sem dar tréguas, impondo uma resistência nos 2 Tandur a correr lado a lado.
Depois de deixar o mar a foz mostrava-nos o rio, com o solitário Bugio a marcar essa ténue linha entre o Tejo e o Atlântico. Olhei vagamente, primeiro a marginal, as pedras e a sua gente banhada no sol quente daquela manhã, depois o areal nas suas brincadeiras de esconde-esconde entre a espuma de mais uma onda e maré agora alta. Depois as águas do Tejo e o choque com o atlântico originando mais ondas, mais espuma e rebentação. Do outro lado, na margem a sul, a Trafaria e os seus imponentes pipelines, a Costa e os seus paredões. A maré está calma, apenas o sol nos banha a cara e o corpo, mas o vento mantêm-se cada vez mais forte, mais astuto e traiçoeiro. Depois do Estoril, já tinha ficado para trás, São Pedro, Parede, as praias de Carcavelos, Oeiras, Santo Amaro e nem em Caxias ficou o vento preso nas pedras gastas na história do forte. O meio-termo tinha passado, os Tandur continuavam ali, lado a lado, ritmados numa passada rápida, certa, ordenada. O Vento não mudou e a história não alterou, a vontade de chegar era mais forte. Na Cruz Quebrada, o rio continuava ali do nosso lado direito, correndo em sentido contrário, dizendo de onde vinha trazendo histórias, locais e até a ponte já no seu postal. O caminho era agora mais plano e rápido, os Tandur tinham passado a maior barreira e atrás de outros que ditavam agora a passada, seguiam seguros de si mas com ânsia de chegar. Algés e logo depois começava a chegar Belém e os seus Jardins entre a estrada e o mar que guarda o mural daqueles combatentes de outrora, heróis de uma pátria de outros tempos áureos, recheados de lendas e contos de gente forte, ambiciosa e audaz.
Com a pele queimada pelo sol da manhã, coberta de um sal de suor seco os Tandur avistavam o CCB. Era agora um oásis, que contrariava as forças , que vacilavam no corpo gasto pelas investidas daquele vento ao longo dos já palmilhados kms. Mas a família estava lá. Todos aguardam os 2 Tandur. Não é tempo de chorar pela ligeireza dos fortes sentimentos, mas sim de sorrir. De sorrir de mão dada com uma criança que faz parte de mim e com ela cortar mais uma meta. 1h31m de braço dado com o mar, com o rio e a marginal para abraçar a magnífica e imponente Lisboa, a Cidade a ponto luz bordada, a Toalha à beira mar estendida.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Raid Atlético de Vale Barris

 O ser humano é uma criatura complexa, cheia de engenhos, aptidões e capacidades muitas vezes ocultas ou dominadas por uma mente absorvida nos limites do corpo que ocupa. Mas por vezes, a mente supera o corpo e quando isso acontece a criatura complexa transcende-se e ganha uma nova vida carregada de adrenalina e emoções que superam todos os seus limites.

Saí da estrada, por momentos esqueci os muitos quilómetros em estradões escuros marcados a branco e parti. Parti à aventura. Parti porque alguém me desafiou a partir. Parti simplesmente porque decidi mudar um pouco. Sai do Alcatrão e abracei pela primeira vez uma prova de trilhos. O Raid Atlético Vale Barris serviu assim para apadrinhar uma estreia à muito prometida mas muitas vezes adiada.

Os Tandur lá estiveram os três para percorrer aquelas serras, os dois “Veteranos” (António Almeida e Vítor Veloso) e o novato nestas andanças (eu). Tinham-me dito que esta prova era ideal para me iniciar nos trilhos, que no ano anterior tinha sido “fácil”., e mesmo após alguma pesquisa na blogosfera pensei que assim seria. Mas cedo descobri que esta edição não iria ser assim, primeiro pelo excelente briefing inicial e depois pela “estágio” efectuado na noite anterior no SAP com o diagnóstico de uma amigdalite e uma otite. Partida feita às 9H e logo aos 600metros, toca a subir. Ao fim do primeiro km já tinha feito 200metros a andar porque era impossível correr naqueles trilhos íngremes e de pedras soltas que levariam aos moinhos. Ao chegar ao cimo, deslumbrei-me pela primeira vez. A vista dali era maravilhosa, tal e qual como uma pintura, delineada pelo céu azul no horizonte e por aqueles verdes campos e serras a enquadrar o imponente e solitário castelo de Palmela. Aproveitei o momento, procurando com os olhos absorver o máximo que aquela paisagem me dava em troca de cada metro percorrido. Uma descida, uma curva, dois ciclistas em sentido contrário e toca a curvar no que parecia ser o voltar pelo mesmo trajecto. Mas cedo me enganei. Aos 10km, o Vítor Veloso anunciava o ritmo, 52min. Demasiado rápido? Para mim, claro que sim!

Mais um verde campo, e uma dura subida de estradão, faziam anteceder uma descida que tardava em chegar. Íamos nesta altura com uma companhia de Honra, pois tínhamos mesmo à nossa frente o Carlos Fonseca. Chegou a descida, curta mas inclinada, muito inclinada. A surpresa era tanta que nem saboreamos a descida alucinante com saltos por cima de buracos, pedras soltas, carreiros de água, enfim tudo o que aparecia, nós saltávamos sem olhar. Também foi sem olhar, sem me aperceber bem, que quando dei conta, já tudo subia e descia novamente por entre arbustos, árvores, arvoredos, pedras, buracos, o que fosse. A malta saltava em busca da marca no chão e da fita na árvore, parecíamos, lebres Sado, penso que é este o termo. Pelo meio ficou a foto do amigo Joaquim que apanhou a malta ainda a sorrir sem saber o que estava para vir. Sem me dar conta, começo a perder velocidade, começava a ser difícil acompanhar o Vítor que ia ganhando metros e gritando para que não ficasse para trás. Não estava bem, deixei temporariamente de ver a estrada à minha frente. Num km tudo mudou. A alegria e a vontade de percorrer aqueles trilhos, pareciam ter morrido no meu corpo dorido. Avisei o Vítor para continuar. Vou desistir! Não dá, para continuar. Incrédulo! Olhou para mim, mas percebeu que o seu caminho era seguir.

Estava agora no controlo dos 16km com 1h35m. Parado! Aguardava uma cara conhecida. Peguei no telemóvel e liguei para casa. A voz doce da minha mulher parecia agora sobressaltada. Que aconteceu, estás……. Sem acabar a frase ouviu-me apenas dizer. - Vou Desistir!

Ouvi, um raspanete e duas palavras de força. Acreditem era o que precisava naquele altura para me obrigar a reagir. Vejo o António Almeida e penso, que sem dinheiro para o táxi e no meio da Serra, só um Tandur me pode dar boleia. Surpreso, perguntou se estava bem. Assertivamente abanei a cabeça e colei-me no seu encalço. 200metros, e aquele ritmo também não é para mim. Deixo ir o Almeida e fico a matutar na loucura que é estar todo roto no meio da serra numa prova de auto-suficiência em que estava curiosamente, a meio. Parei para andar um pouco, comer mais qualquer coisa e decidir o que iria fazer. O telemóvel tocou. Pensei à pouco o raspanete soube bem mas agora, espero que seja “apenas” um beijo de boa sorte. Nem uma coisa nem outra, do outro lado a voz do meu filho ilumina-me a alma e rejubila-me a mente. –“ Força, Pai! Tu consegues é só correr. Força!” As palavras do meu filho estremeceram dentro de mim. Sem pensar em mais nada comecei a correr. Sabia que o pior estava para vir, mas nunca pensei que fosse assim. Levei 17min para fazer o km seguinte. Sem conseguir correr, naqueles trilhos loucos. Não era o único nesta situação pois o terreno não deixava mesmo correr, com trilhos curtos, estreitos, pedras para escalar, arbustos para desviar, ramos para saltar. Uma tortura que compensou com a chegada ao posto de vigia e aquela paisagem magnífica, de Setúbal, Tróia, o Sado, a Arrábida no seu melhor esplendor. Tinha valido a pena sofrer para ali chegar, foi pena só nos terem dado um fio de nylon de prenda de presença e uma palmadinha nas costas a dizer agora é para entregar isso na meta.

A descida, vertiginosa, alucinante, pelo meio de árvores, agarrados a cordas, a evitar escorregar e cair, deu-me a adrenalina que estava a precisar. Que loucura, aquela velocidade, desgovernada, desordeira, arrebatadora. Magnifica! Sentia-me agora rejuvenescido. Por sorte, vejo o António Almeida não muito longe. Inexperiência. Pois em trilhos não muito longe significa mais uns 3 km só para o apanhar. Depois de mais umas descidas a grande velocidade a roçar a insanidade e de umas subidas a passo de caracol, a minha audácia tinha sido recompensada e apanhava o amigo António Almeida. A prova continuava dura, mas agora éramos dois Tandur lado a lado, e quando isso acontece é sinal que seremos bem-sucedidos. Com essa força, lá continuamos a subir e a descer. A lutar para avançar km a km naquela incansável e imponente serra cheia de desafios avassaladores, envolvidos e escondidos por uma inigualável beleza. A 500 metros do Fim, lá estava novamente o amigo Adelino de máquina em punho a tirar o retrato à malta que ainda sorridente ali ia passando.

Eu e o António fizemos lado a lado aqueles duríssimos últimos 6 km. Fomos batedores quando o tivemos de ser, fomos fortes naquelas intermináveis e íngremes, sempre íngremes, subidas mas acima de tudo fomos unidos para chegar à meta com 3h42m. Acabava a minha primeira prova de trilhos. Depois de tamanha aventura cheia de sofrimento e força de sacrifício, mas com muito prazer e fantásticas paisagens, era tempo do reconfortante e retemperador, banho gélido e juntar ao repasto todos os amigos mais próximos que ali estavam presentes, O Mário Lima, o Joaquim Adelino e os meus dois grandes companheiros Tandur António e Vítor que apadrinharam a estreia, sem eles de certeza que não tinha sido capaz. Sem as palavras do meu filho e da minha mulher (faltou a minha pequenina Matilde), teria certamente desistido, foram deles as palavras certas de quem melhor me conhece, e só eles sabem como lhes estou eternamente grato por isso.